O Papagaio do Restaurante

O Papagaio do Restaurante

Era um papagaio muito esperto. Tudo o que ouvia imitava. E até o que não ouvia?
Tinha poiso no restaurante do senhor Albano, um modesto restaurante do bairro, sem nada de especial, salvo o papagaio. À sua conta, o palrador atraía a clientela, que vinha de longe só para ouvir-lhe as habilidades. 
-Como te chamas? 
Tratava todos por tu. Não era um papagaio de cerimónias. O visado respondia, por exemplo: 
-Manuel. 
E logo o papagaio rimava: 
- Pastel. 
Ou caso fosse: 
- Manuela. 
O papagaio rimava: 
- Rodela de morcela. 
Ou: 
- Agostinho. 
- Copo de vinho. 
Sempre que fosse rima de comer ou de beber, o senhor Albano servia. 
- Somos sócios - explicava o senhor Albano, muito contente com o negócio dos comes e dos bebes. 
Mas não eram. E porque não eram, o papagaio gostava de pregar-lhe partidas. 
Uma vez, um cliente, que precisou de ir à casa-de-banho e ia abrir a porta respectiva, ouviu uma voz dizer: 
- Está gente. 
O senhor recuou e esperou. Esperou o mais que pôde e mais não podendo foi dar conta da sua necessidade noutro sítio. 
Outra pessoa com vontade de ir à casa-de-banho e a mesmo voz a avisar: 
- Está gente. 
O caso repetiu-se, a ponto de o senhor Albano se intrigar. Ele próprio foi ter à porta da casa-de-banho. 
- Está gente - respondeu a voz. 
O senhor Albano não se conformou e abriu a porta. Como se calcula, o papagaio era o responsável. Agarrado pelo pescoço, teve de ouvir das boas do dono: 
- Eu te dou a gente, papagaio de uma figa torta. 
- Mão morta, mão morta, vai bater àquela porta - respondia o papagaio, muito esganiçado. 
Passados dias, a mesma coisa. Alguém com precisão inadiável e a porta da casa-de-banho fechada. 
- Está gente - diziam, de dentro. 
Minutos depois, novo truz-truz e a mesma voz a anunciar: 
- Está gente. 
O senhor Albano desconfiou e também ele bateu: 
- Está gente - foi a resposta. 
- Isso é que não está - disse o senhor Albano, atirando um ombro à porta que, por sinal, estava fechada à chave. 
- Está gente - gritou um indignado protesto, do outro lado. 
Novo encontrão, a porta cedeu e o senhor Albano entrou, de repelão. Afinal, desta vez, estava mesmo gente, logo, para mais, uma senhora? 
- Ah, desculpe que foi engano! - exclamou, atrapalhado, o dono do restaurante. 
O papagaio, que a tudo assistira, escondido atrás de umas pipas, riu que se fartou. 
Ou não se fartou, porque daí em diante, por tudo e por nada, gritava: 
- Albano foi engano - e largava uma risada daquelas amalandradas, de rebentar com os nervos a um santo, quanto mais a um Albano, dono de um tasco de comes e bebes. O que ele barafustava: 
- Palavra que, um dia, perco a cabeça e meto-te na panela. 
- Perdias clientela - gritava o papagaio. 
- Deixo-te a cozer! 
- Ficavas a perder? 
- Com batata às rodelas! 
- Depois é que eram elas? 
- Sal, azeite ou margarina? 
- Ficavas na ruína! Ficavas na ruína! 
- Servido com presunto? 
- Albano sem bestunto! 
- E salsa bem picada? 
- Sem mim não eras nada! 
- Sabias a galinha. 
Neste ponto, o papagaio eriçava-se todo e gritava: 
- Galinha, qual galinha?! A minha carne é minha! A minha carne é minha! 
E voava assarapantado, deitando ao chão tudo o que estivesse nas prateleiras do restaurante. Nessas ocasiões, o senhor Albano, avaliados os estragos, também não se ficava a rir. 
Fora estes arrufos, davam-se os dois muito bem.

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