As Traças

As Traças

Eram duas traças. Tinham ido parar ao meu sobretudo, guardado no Verão, para voltar a servir no Inverno. 
As duas traças não me conheciam de parte alguma. Por isso não podiam pedir-me autorização para se servirem, à maneira delas, do meu sobretudo. Naquele guarda-vestidos havia mais roupa pendurada, mas o sobretudo azul-escuro, de lã macia, era o que mais lhes convinha. 
Quando, chegado o Inverno, dei com dois buracos na lapela do meu sobretudo, barafustei: 
- Malditas traças! Não há naftalina que as detenha. 
Talvez estas traças estivessem constipadas ou a naftalina que eu tinha espalhado pelos bolsos do sobretudo fosse de má qualidade? Talvez estas traças não respeitassem nada nem ninguém, nem sequer senhores de sobretudo ou sobretudos sem senhores? 
- Logo na lapela, tão à vista de toda a gente. Podiam antes ter traçado o forro ou as abas, atrás. Assim, inutilizaram-me o sobretudo. Não tem remédio. 
Devia haver uma maneira de avisar as traças a não roerem lapelas, golas e peitilhos de casacos e sobretudos. Talvez mudassem de hábitos. 
Eu, neste Inverno, particularmente frio, tenho andado de sobretudo, o azul-escuro de lã macia, o traçado? Mas com uma particularidade: sempre com uma flor na lapela. 
É para tapar os buracos feitos pelas traças. Os meus amigos não sabem e dizem-me que ando com um ar festivo. 
- Andas tão alegre, neste Inverno - comentam. 
Se eles soubessem?

kids.sapo.pt/descobrir/historias/historia_do_dia/artigo/as_tracas