Grande Pintora

20-11-2011 22:31

Grande Pintora

- A minha sobrinha pinta papagaios? 
- De papel? - perguntei eu. 
- Não. Pinta papagaios de penas. Maravilhosamente - respondeu o meu amigo. - Se quiseres, hoje mesmo, passamos pelo atelier dela. 
Fomos. O atelier da sobrinha do meu amigo parecia uma enorme gaiola. Esvoaçantes ou empoleirados em tudo o que lhes apetecia, araras, periquitos e, já se vê, papagaios davam-nos as boas-vindas, piando e palrando. 
A pintora não estava, mas o meu amigo, que tinha a chave do atelier, movia-se naquele recorte de selva tropical com o à-vontade de um índio amazónico. 
- E os quadros dela sobre esta passarada toda, onde é que estão? - perguntei. 
O meu amigo não sabia ou fazia de conta que não sabia. O melhor era esperar pela pintora. 
Entrementes, um papagaio com as cores da bandeira nacional simpatizou comigo, poisou-me no ombro e pôs-se-me a coçar ternamente a cabeça. 
Despedi-me do meu amigo e combinei, para uma próxima, nova visita ao atelier da sobrinha. Mas aconteceu um percalço. O papagaio não me largava o ombro. 
- Não o contraries e leva-o - disse o meu amigo. - Depois se verá? 
Uma pessoa com um papagaio ao ombro chama sempre a atenção. Muito envergonhadamente, percorri o caminho até casa, perseguido pelo olhar de estranheza de quem se cruzava comigo. 
E, como se não bastasse, o papagaio cantarolava, incansavelmente: ?Ó Rosa arredonda a saia". Não passava disto, o que seria sinal de uma certa saudade da dona, a pintora Rosa, imaginava eu. Quanto a ele, fica combinado que passamos a tratá-lo por Arco-Íris. 
Assim que cheguei a casa, abri as janelas. Talvez lhe desse vontade de voar, ao encontro da sua querida Rosa? 
O Arco-Íris voar, voava, mas saindo por uma janela e entrando por outra e poisando no meu ombro e soltando-se do meu ombro e saindo pela janela e entrando, sempre a cantarolar: ?Ó Rosa arredonda a saia". 
Fui sentar-me junto à mesinha do telefone. Tão concentrado eu estava, à espera do prometido telefonema, que nem dei por que tinha começado a chover. E logo as janelas todas abertas? 
Passados uns minutos, um bicharoco encharcado e cinzento, cor de rato, fincou-me as patas nos ombros. Dei um salto de susto. 
O bicharoco abriu as asas e gritou: 
- Ó Rosa arredonda a saia. 
Não era possível. Outro papagaio, este cinzento, a cantar a mesma cantiga? 
Já calculam o que se passou. O Arco-Íris, com a molha, perdera as cores radiosas da bandeira nacional. 
Perdera-as porque, simplesmente, não lhe pertenciam. Pintado, pena a pena, pela sobrinha do meu amigo, o Arco-Íris revelava-se, afinal, um vulgar papagaio descorado. 
Quando contei a história ao meu amigo, ele riu-se: 
- Bem te avisei que a minha sobrinha era pintora de papagaios. Uma grande pintora! 
Em conclusão: fiquei dono de um papagaio cinzento, que ninguém percebe por que bizarria ou tolice é que eu o trato por Arco-Íris.

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