Fenómenos de Capoeira

05-11-2011 00:38

Fenómenos de Capoeira

Era uma vez uma galinha que cantava de galo. 
- Que é lá isso? Já não há respeito? - indignou-se o único galo da capoeira. - Então, daqui para a frente, passas a ser tu a anunciar a alvorada. 
A galinha escusou-se à responsabilidade. Que não tinha vocação para corneteiro, que não era dada a madrugar, que até tinha o sono pesado e mais que torna e mais que deixa, tudo desculpas esfarrapadas. 
- Nesse caso, deixas de imitar-me - impôs o galo. 
A galinha fez que sim. Depois, esqueceu-se e, na primeira ocasião, voltou a cantar de galo. 
- O que combinámos, ainda há pouco, já não conta? - perguntou o galo, muito arreliado. 
A galinha desculpou-se, tinha-lhe passado da ideia e, para mais, andava com a voz rouca da humidade. Mas não voltaria. 
Voltou. 
Tantas vezes cantou de galo que até parecia desafio. Não era. A galinha gostava de brincar, de fazer imitações. Se lhe desse para isso até era capaz de zurrar como os burros? 
- Burro serei eu se suportar mais esta afronta. Tu continuas a cantar de galo e eu vou passar a pôr ovos - ameaçou o velho galo. 
Correu a notícia. O galo ia pôr ovos. Vieram de todos os extremos da quinta os bichos que nela viviam. Patos, perus, ovelhas, vacas, porcos, burro e os dois cães de guarda puseram-se à volta do galo, à espera do fenómeno? 
- Com tantos ao pé de mim, não consigo - disse o galo, embaraçado. 
Quis mantê-los à distância, mas em vão. A curiosidade era muita e não se podia perder pitada do grande acontecimento. 
Ovo é que não houve meio. 
- Desisto - concluiu o galo. - Isto de pôr ovos e, ainda por cima, diante desta plateia de basbaques, não é para as minhas forças. 
Conclusão sensata. 
- Põe tu um ovo por mim - disse o galo para a galinha que, às vezes, cantava de galo. 
Ela pôs, sem nenhuma dificuldade, e, depois, não cantou de galo. Cacarejou como cacarejam as galinhas quando acabam de pôr um ovo. 
- Bonita cantiga - elogiou o galo. 
Toda a bicharia era da mesma opinião. Um encanto de cantiguinha. Um mimo de voz. Um gargarejo mesmo melodioso. 
A galinha, envaidecida, corou até à crista. E não voltou a cantar de galo. 
Isto é: uma vez por outra arremedava-lhe a voz, mas só para fazer rir as franganitas.

 

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