Não se chama Marcílio

11-11-2011 16:58

Não se chama Marcílio

Marcílio não era o nome dele. Marcílio era um nome falso, um nome escondido, porque o jovem herói da nossa história não podia revelar a ninguém a sua verdadeira identidade. 
- Hás-de recuperar o teu reino com este arco que aqui te dou - dissera-lhe o mago Olef. 
- Agora há-de ser - respondera Marcílio. 
E, impaciente, repuxou a corda do arco que estava solta. Parecia fácil. Não era. 
- Falta-te a força - dissera-lhe o mago. - Tens de amaciar a corda à chuva do deserto. 
- Mas no deserto chove tão pouco e tão de longe em longe - protestara Marcílio. 
- Não tens outra alternativa - dissera-lhe o Olef. 
O mago tinha sido o seu salvador. Recolheu-o, menino, quando o castelo e o reino do pequeno príncipe se submeteram aos conquistadores estrangeiros. Por prudência, dera ao órfão o nome de Marcílio e protegera-o e educara-o, em segredo. 
Via-o, agora, jovem a espigar e a arder na vontade de reconquistar o que lhe pertencera. Mas, para que tudo resultasse, não podia haver precipitação. 
- Se queres que chova no deserto, tens que chamar as nuvens - disse-lhe o mago. 
- E como se faz para chamar as nuvens? 
- Tens de cantar. 
- Agora há-de ser. Cantarei. 
O mago sorriu e abanou a cabeça, negativamente: 
- A tua voz tem de engrossar. E para a tua voz engrossar, tens beber o sangue do dragão que guarda a montanha. 
- Agora há-de ser. Matarei o dragão. 
- Só o matarás com esse arco que eu te dei? 
Marcílio desesperou-se. Assim nunca conseguiria. Mas, como era um moço decidido, não desistiu. Encaminhou-se para o deserto. Talvez chovesse, sem ter de forçar as nuvens? 
Esperou um ano, dois anos, três anos. Três anos de seca. Ele bem repuxava a corda do arco, mas não havia meio? Ele bem ensaiava a voz num canto guerreiro, mas na voz cruzavam-se agudos e graves, à compita. 
Até que choveu. Um aguaceiro de nuvens breves. Mas bastou para amolecer a corda. Marcílio convocou todo o seu ânimo e retesou a corda do arco. Depois, foi à procura do dragão. 
Era um monstro terrível. Marcílio não o temeu. Quando se vence o medo, vence-se qualquer dragão. Foi o que aconteceu. 
Depois de beber do sangue do dragão, Marcílio cantou, numa voz forte e grave. 
A notícia da vitória do jovem espalhou-se e vieram nuvens e nuvens de gente aclamá-lo. 
À frente do clamor do povo, Marcílio marchou para o palácio que lhe pertencera. 
Lutou e venceu. 
Na cerimónia da coroação do novo rei, que era um homem na força da vida, o mago Olaf chamou-o pela primeira vez pelo seu nome verdadeiro: Ivan. 
No reino de Ivan, os mais velhos contam sempre esta história, convictos de que assim conseguem moderar a pressa e a impaciência dos mais novos. 
- Há que confiar nos leves, vagarosos impulsos do tempo - aconselham os mais velhos, no remate da história. 
Será que os novos, realmente, lhes dão ouvidos?

 

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