Lágrimas de Crocodilo

25-10-2011 14:55

Lágrimas de Crocodilo

 

O crocodilo estava com uma grande dor de dentes. Quem lhe acudia? 
Dentista, na selva não há. Podia procurá-lo na cidade mais próxima, mas quem lhe garantia que, depois, o deixavam voltar ao rio do seu pachorrento viver? 
Os gemidos do crocodilo metiam dó. 
Um passarito saltitante aproximou-se, mas não muito, e perguntou-lhe: 
- O dente que dói é incisivo, canino ou molar? 
O crocodilo não sabia. 
- É cá para trás, na queixada - respondeu ele. 
- Então é molar e deve estar furado - concluiu o esperto passarinho. 
Muito se admirou o crocodilo com a ciência do passarinho. E, numa voz de sofrimento, perguntou-lhe se ele não se importava de tratá-lo. 
O passarinho saltitou, hesitante. Outros passarinhos da família, que andavam por perto, avisaram-no: 
- Vê lá no que te metes. O crocodilo pode não ser de confiança? 
Mas o passarinho, que tinha bom coração, decidiu arriscar. 
- Abre bem a boca - disse ele ao crocodilo. 
Saltitando entre os dentes do crocodilo, como sobre um teclado de piano, o passarinho deu com o dente furado. Era, realmente, um dos últimos, já no escuro da boca enorme do crocodilo. 
Com muita eficiência, o passarinho brocou, limpou e tapou o buraco do dente magoado. Só lhe faltava diploma para dentista a sério. 
- Abre mais a boca, para eu sair a voar. 
Mais o crocodilo a fechava? 
Cá fora, os outros passarinhos piaram de susto. 
- Tratei-te. Quero sair - exigiu o passarinho e a vozinha dele ecoou na boca cavernosa do crocodilo. 
- Palita-me e limpa-me o resto da dentadura - pediu o crocodilo, entre dentes. 
Caiu-lhe uma lágrima do olho esquerdo e outra, a seguir, do direito. 
- Lágrimas de crocodilo - piaram os passarinhos em bando. - Velhaco. Patife. Hipócrita. 
Mas, afinal, estas eram as lágrimas sinceras. O crocodilo sentia-se aliviado e agradecido. 
Quando o passarinho, depois de ter feito uma limpeza geral aos dentes do crocodilo, voou para o meio dos outros, foi recebido como um herói. 
E, daí em diante, todos os passarinhos saltitantes da beira-rio passaram a frequentar as queixadas dos crocodilos, à cata de restos de comida. 
Ganham os crocodilos e ganham os passarinhos. Ao contrário do que consta, na selva também há harmonia.

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