As Moscas

18-11-2011 10:26

As Moscas

Uma mosca. Duas moscas. Três moscas. Três moscas paradas a conversar. De que falavam? Falavam do problema da alimentação. 
Dizia uma: 
- Tem sido uma crise, colegas. Toda a comida guardada em frigoríficos e armários, trancada a sete chaves. Ninguém lhe chega. 
Dizia a outra: 
- E os venenos que nos lançam, colegas. Os insecticidas? Que horror! 
A terceira mosca permanecia calada. As outras viraram-se para ela. Miraram-na.
- Agora é que reparo. Como a colega está gorda! 
- ? e bonita - completou a segunda. - Por onde é que se tem governado a colega? 
- Por aí? Por aí? - respondeu a mosquinha bem alimentada. 
E voou, dizendo adeus. 
As duas moscas esfomeadas comentaram: 
- Ela esconde-nos alguma coisa. Vamos atrás dela. 
Voaram também, dançaram no ar, disfarçando os seus intentos, enquanto a outra se distanciava. Quando a viram dobrar uma esquina, voaram em sua perseguição, sem que a mosca gorda e bem parecida se apercebesse. Por fim chegaram a um pátio. 
- É aqui que aquela ingrata se esconde. Repare, colega, repare como ela se refastela com aquele pires de leite. 
- Leite? Não me fale nisso. Vamos a ele. Estou com a fome de um enxame de moscas. Vamos ao leite! 
Aterraram perigosamente na borda do pires. A mosca gorda e bem parecida ficou muito mal-disposta, ao ver as outras duas: 
- Como vieram aqui parar? 
- O acaso? - responderam as duas manhosas. 
Beberam daquele leite até se fartarem. Depois foi o ajuste de contas. 
- Então a colega tinha aqui esta mina escondida e não dizia nada às suas amigas? 
- Este leite não é meu. Põe-o aqui, todos os dias, o dono do Tareco, para ele beber. 
- E a colega tem-se banqueteado. Pois agora somos três, isto é, quatro contando com o Tareco, pois também chega e sobeja para ele? Conte connosco. 
E desapareceram. 
A outra, a mosca gorda e bem parecida, má camarada, pouco amiga de partilhas, ficou sozinha a remorder vingança. ?Esperem pela pancada, esperem!"
No dia seguinte foi ela a primeira a chegar ao pátio, onde a D. Zulmira deixava, como habitualmente, o pires de sopas de leite para o seu Tareco. Mas desta vez, no lugar do pires de leite estava um enorme balde. 
- Oh! Oh! Um balde cheio de leite - exclamou a mosca gorda e bem parecida. - Toca a bebê-lo todo, antes que venham aquelas fedúncias, aquelas invejosas? E sem pensar duas vezes lançou-se sobre o balde, em voo picado. 
Mosca tola. Mosca sôfrega. O balde continha não leite, mas cal, cal de caiar as paredes. A mosca gorda e bem parecida engoliu cal em vez de leite. Na cal caiu, na cal morreu. 
As outras duas moscas, as moscas laricas, ao aproximarem-se, ainda ouviram uns vagos pedidos de socorro, que se perderam no ar. Quando chegaram, a mosca gorda e bem parecida estava morta. 
- É bem feito! - comentou uma das moscas. - Não queria partilhar connosco, morreu do seu mau carácter. Bem, vamos ao nosso pires de leite. 
Voaram para o pires, que estava a pequena distância do balde. Ao chegarem, a outra mosca, mais bondosa, não soube calar este comentário: 
- Tenho pena dela. Sim, porque onde comem duas moscas, também comem três? 
- Isso, isso, colega! Se ela assim pensasse, não teria morrido e se todos assim pensassem, o mundo seria muito melhor, olá se seria! 
A mosca triste e pensativa concluiu: 
- Bem, bem, vamos beber depressa o nosso leite, antes que venha o gato, ou alguma mosca esfomeada e invejosa da felicidade das outras?

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